domingo, 21 de setembro de 2014

A casa de hóspedes














 

O ser humano é uma casa de hóspedes
Toda manhã uma nova chegada.
A alegria, a depressão, a falta de sentido, como visitantes inesperados.
Recebe e entretém a todos
Mesmo que seja uma multidão de dores
Que violentamente varrem a tua casa e tiram os teus móveis.
Ainda assim trata os teus hóspedes honradamente
Eles podem estar a limpar-te para um novo prazer.
O pensamento escuro, a vergonha, a malícia, encontra-os à porta rindo.
Agradece a quem vem,porque cada um foi enviado como um guardião do além.

Rumi
Mestre Sufi do sec. XII

Canto de primavera






O inverno abandona a planície com passo severo
E a primavera brinca alegre pelas pradarias,
O doce rouxinol entoa seus lamentos
E sua amada rosa esparrama suas belezas.

Oh Zéfiro, enquanto sopras tua brisa suave
Carregada de aromas dos bosques da Arábia,
Murmura minhas saudações pelo teu fértil vale
E diz à formosa Layla que seu poeta a ama.

Com uma mirada celestial da amada donzela
Saltaria de gozo meu coração arroubado;
A seus pés, humilde, inclinaria a cabeça,
E com as sobrancelhas varreria o solo sagrado.

Se os néscios que roubam da religião o viço
E criticam os doces deleites do amor
Vissem a Layla, não desejariam mais o Paraíso
E por seu sorriso dariam o celestial gozo.

Não te fies da fortuna, enganoso encanto,
Da qual os sábios fogem e adoram os estúpidos.
Enquanto sorri, soa o alarme o Destino,
Gira sua roda e ficas para sempre submergido.

Por que erigis, ricos e poderosos,
Cúpulas principescas e torres infinitas?
Enquanto tudo brota triunfante em vosso entorno
O Anjo da Morte conta vossos dias.

Doce tirano, nesse peito endurecido
Não guardes mais meu coração, meu seio em teu trono real;
Deixa que ali descanse seu palpitar
E goze de deleites que ignora a alma vulgar.

Esses olhos feros, o que significam?
E os cachos que emprestam ao ar seu odor?
Minha esperança voa despavorida,
Cai meu amor presa da desesperação.

Não armes essas sobrancelhas de arco celestial,
Oh doce donzela, com tanto desprezo;
Não faças que um desditoso, tão afogado já,
Abatido padeça sua dor eterna.

Não sejas mais escravo dos seres formosos:
Bebe, Hafiz! Desfruta, desafoga teu ânimo,
Com valor despreza ao hipócrita rufião
Que usa a religião em defesa do pecado.


Hafiz





Em meu pensamento perdido,
a imagem de tua boca não desaparecerá jamais,
nem pela crueldade do Céu,
nem pela aflição dos séculos.
Na pré-eternidade meu coração já estava
ligado aos cachos dos teus cabelos;
até o final dos tempos ele será dócil
e manterá o pacto.
Tudo o que está neste pobre coração passará,
salvo o peso dessa dor por ti que
jamais deixará meu coração.
Teu amor invadiu a tal ponto
meu coração e minha alma que,
se minha cabeça tombasse, ele continuaria...

Vê o Um, escuta o Um, conhece o Um:
nessa fórmula estão o princípio
e os corolários da Fé.


Hafiz

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Epitáfio de Hafiz em Shiraz


 



 
“Recebi, a Deus graças, a boa nova:
Vou reunir-me com meu Amado.
Vou por último abandonar esta gaiola
que tem meu espírito prisioneiro.
Amigo! Amante!
Quando venhas ao meu túmulo, vem embriagado,
de uma bebedeira que nunca decresça,
cheio seu ânimo de um fervor que engrandesse o amor,
a esperança.
Tem presente que a alegria deste mundo é curta,
passará com os anos vividos.
O importante é o que no final ficará,
dessa embriaguez que levas na Alma.”

trad. por Aurélio Buarque de Holanda, do Rubaiyat de Hafez.

Poema de Hafiz I







Aprendi tanto com Deus
Que não posso mais chamar-me
Cristão, Hindu, Muçulmano, Budista ou Judeu.
A Verdade partilhou tanto comigo sobre Ela mesma
Que não posso mais chamar-me
Homem, mulher, anjo ou mesmo Alma pura.
O Amor uniu-se a Hafiz tão completamente
Que reduziu a cinzas e libertou-me
De todos os conceitos e imagens
Que a minha mente alguma vez conheceu.

Hafiz






Al-Din Muhammad Hafiz (Chiraz 1325 - Id. 1390), poeta lírico persa, era exímio no gazel (espécie de ode) e professor de Exegese do Alcorão. Em suas obras uniu temas místicos à inspiração báquica e à exaltação da beleza. Nascido Shamus-ud-din Muhammad estima-se que tenha escrito por volta de 5000 poemas, dos quais de 500 a 700 tenham perdurado. Ficou mais conhecido no ocidente graças a Goethe que influenciou Ralph W. Emerson a traduzir alguns trabalhos de Hafiz no seculo XIX. Outros escritores que admiravam o trabalho dele eram: Nietzche, Pushkin, Turgenev, Carlyle alem de Garcia Lorca.